LITERACIA EM IA: O FACTOR HUMANO DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
A Inteligência Artificial (IA) está a tornar-se eixo central da economia mundial. Segundo a McKinsey, 78% das empresas já utilizam ou exploram soluções de IA. Contudo, muitos projectos ficam pelo caminho antes de escalar.
Texto: Estevão Zinga - Estrategista em Transformação Digital e Inteligência Artificial
Fotografia: Cedida
O mais recente estudo do MIT é claro: não é a tecnologia que falha, mas sim as pessoas, as instituições e a cultura organizacional que travam o avanço.
Literacia em IA: uma questão de Estado
É comum atribuir-se o fracasso a factores como retorno de investimento incerto, dados de fraca qualidade ou dificuldades técnicas de integração. Mas há um ponto estrutural: a literacia em IA. Literacia em IA não é programar. É a capacidade de compreender, confiar e questionar sistemas inteligentes em contexto.
• Cidadãos que usam IA de forma crítica e segura.
• Trabalhadores que integram ferramentas digitais no quotidiano.
• Líderes que conhecem potencial e limites para tomar decisões responsáveis.
Sem literacia, instala-se a confiança cega ou a rejeição cega — duas ameaças à economia, à cidadania digital e à soberania nacional.
Quatro níveis de maturidade
A literacia em IA pode ser aferida em quatro patamares:
1. Nenhum – ausência total de conhecimento.
2. Básico – noção de conceitos, mas sem capacidade de liderança.
3. Intermédio – aplicação prática no trabalho, com impacto directo.
4. Avançado – definição de estratégias, avaliação de riscos e ligação entre tecnologia e resultados.
Este enquadramento permite ao Estado e às instituições diagnosticar a maturidade da sociedade e desenhar programas de capacitação nacional.
Literacia não basta: é preciso política pública
Mesmo com literacia, a transformação falha se não existir equilíbrio de competências e visão estratégica.
Uma política de IA robusta deve mobilizar:
• Engenheiros de dados e de IA;
• Especialistas em cloud e cibersegurança;
• Líderes de domínio nos sectores críticos (energia, saúde, telecomunicações, agricultura, finanças);
• Gestores da mudança que asseguram adopção social;
• Decisores políticos que traduzem inovação em valor público.
O desbloqueio: uma estratégia nacional de capacitação Não bastam workshops isolados. O que se impõe é uma estratégia nacional de capacitação em camadas:
• Literacia ampla para todos os cidadãos, para criar confiança e participação social.
• Formação sectorial e profissional, para que cada área — da educação à justiça, da saúde à agricultura — saiba integrar IA nos seus processos.
• Especialização técnica profunda, onde for crítico desenvolver soluções próprias.
• Políticas de cultura digital e gestão da mudança, para que a IA seja entendida como instrumento de progresso colectivo.
Relevância social e protecção de dados
A literacia em IA não é apenas uma necessidade empresarial. É uma questão de soberania, justiça social e direitos fundamentais. Num mundo em que algoritmos influenciam saúde, mobilidade, educação e finanças, a ausência de literacia aumenta desigualdades e cria exclusão.
A protecção de dados pessoais é parte essencial desta equação. Em Angola, a existência da Agência de Protecção de Dados (APD) representa um passo importante para garantir transparência, fiscalização e confiança pública. A APD já conduz iniciativas de revisão legal, capacitação de quadros e cooperação internacional. Mas precisa de ser continuamente fortalecida, articulando-se com a agenda nacional de IA e assegurando que a inovação tecnológica respeita os direitos dos cidadãos. Não é apenas a Europa que avança neste campo. O Quénia, por exemplo, lançou em 2025 a sua Estratégia Nacional de IA (2025-2030), estruturada em eixos como infra-estruturas digitais, regulação ética, capacitação de talento e inovação local. Esta experiência demonstra que também em África já se constrói visão estratégica para a IA, reforçando a ideia de que Angola não pode ficar para trás.
Conclusão: um imperativo político
A literacia em IA e a protecção de dados não são apenas preocupações técnicas. São questões políticas e sociais centrais para o futuro de Angola. Sem estas bases, a IA será moda importada e vulnerável a abusos.
Com uma estratégia de capacitação nacional, uma autoridade reguladora forte e visão de longo prazo, pode transformar-se em pilar de soberania, confiança e desenvolvimento sustentável.
A revolução da IA não será feita apenas de algoritmos mais inteligentes. Será feita de pessoas e Estados mais preparados, capazes de proteger direitos, garantir segurança e usar a tecnologia em favor do bem comum.

